Religião
Desastre aéreo nos Andes de 1972 dá lições de esperança no livro do papa
30 de jan de 2025 às 16:11
O papa Francisco faz um relato vívido e convincente de um testemunho inspirador da esperança cheia de fé e do poder do rosário em seu novo livro Esperança: A Autobiografia, em coautoria com o italiano Carlo Musso.
O livro fala sobre o acidente aéreo que ocorreu na Argentina em 1972 contado em Alive: The Story of the Andes Survivors, best-seller do católico britânico Piers Paul Read, transformado em um filme de sucesso em 1993 (lançado no Brasil com o título de Vivos).
Como observador, o filme teve grande impacto em mim quando o assisti na década de 1990, então um não-católico de 20 e poucos anos. Ficou claro para mim como o rosário deu uma força sobrenatural que permitiu sobreviver e exercer as virtudes da fé, esperança e caridade num grau superlativo. Tão poderoso foi o testemunho deles na fé que foi uma das várias influências que me colocaram no caminho para me tornar católico.
Ao recontar esse conto angustiante de grande sofrimento, sobrevivência e esperança, tocando levemente nos elementos mais horríveis que tornaram a história famosa, o papa a lembra com alguns detalhes em sua autobiografia.
“Eu era mestre dos noviços na Villa Barilari, em San Miguel, na época”, começa Francisco, depois de colocar o desastre no contexto dos acontecimentos mundiais da época.
“Aconteceu numa tarde de outubro: um avião fretado que ia de Montevidéu a Santiago, com quarenta e cinco passageiros e tripulantes a bordo, incluindo 19 membros da equipe de rúgbi do Old Christians Club, com suas famílias e amigos, caiu quando sobrevoava a área entre o monte Sosneado e o vulcão Tinguiririca, na fronteira entre a Argentina e o Chile”.
“Tendo atingido a parede da montanha, o avião perdeu uma asa e depois a outra, e finalmente pousou em uma encosta íngreme e nevada perto da geleira Las Lágrimas, a uma altitude de mais de três mil metros. Nessas condições extremas, com as temperaturas caindo para -34 graus celsius à noite, num clima açoitado por violentas tempestades e com tão pouco oxigênio que era difícil respirar, os trinta e dois sobreviventes do acidente, feridos e com poucas provisões, organizaram-se no que restou da fuselagem, protegido com uma barreira improvisada de assentos, malas e pedaços de destroços, esperando por ajuda”.
“Eles permaneceriam sozinhos no que se tornaria sua ‘sociedade da neve’, para enfrentar um desafio desesperador, em meio a grandes sofrimentos, novos lutos, fraternidade, apoio mútuo e oração diária”, diz o papa.
Francisco poupa o leitor de detalhes do elemento mais conhecido da história: que os sobreviventes foram forçados a recorrer ao canibalismo para sobreviver, só dizendo que “num pacto de amor extremo e mútuo”, os passageiros que morreram se tornaram “sustento e esperança para os que ainda estavam vivos”. O papa Francisco também se lembra do papa são Paulo VI comentando posteriormente sobre a legitimidade das ações desesperadas dos sobreviventes.
“Dois meses depois do acidente, quando já estava claro que as operações de busca haviam sido abandonadas, que ninguém chegaria para salvá-los, e só restavam dezesseis passageiros, três deles decidiram partir numa expedição que parecia quase impossível naquelas condições: escalar a montanha que se erguia diante deles para o oeste, um pico de 4,5 mil metros de altura, atrás do qual eles pensaram que encontrariam o Chile”, diz Francisco.
“Eles deixaram o esqueleto da aeronave, que esse meio tempo havia sido atingida por avalanches que deixaram outras vítimas, e equipados com nada mais do que sacos de dormir feitos de almofadas costuradas, um trenó feito de uma mala, duas hastes de alumínio para usar como bengalas e vestindo três camadas de roupas, eles partiram para o desconhecido. Quando, apesar da falta de oxigênio e da desidratação, depois de dias de escalada agonizante, eles finalmente chegaram ao topo, descobriram que o que os esperava não era o que eles haviam imaginado, mas uma nova sucessão intrincada de montanhas e montanhas, que se estendia por dezenas de quilômetros à sua frente.
Mas, escreve o papa, eles “não se renderam mesmo assim”. Em vez disso, eles “calcularam juntos que as provisões que haviam trazido não seriam suficientes para os três, então um voltou ao acampamento, deslizando no trenó da mala até a fuselagem, entre pedras de gelo e fendas”.
“Mais incrível ainda, os outros dois prosseguiram, cada vez mais exaustos, cambaleando, agarrando-se um ao outro de modo que os dois se moveram como um só, até que, depois de mais sete dias, viram primeiro os restos de uma lata, depois uma vaca e, finalmente, um pastor, que estava ainda mais incrédulo do que eles diante do que parecia ser a visão de fantasmas”, escreveu Francisco.
“Foi a salvação. Para eles, e para todos os seus amigos ainda vivos depois de setenta e dois dias na montanha”, escreveu também o papa.
Francisco escreve como, em 2022, no 50º aniversário do desastre, um dos sobreviventes, Gustavo Zerbino, que tinha 19 anos na época do acidente, escreveu para ele em nome de todos.
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“Na montanha, ele [Zerbino] lembrou, eles formaram uma comunidade unida e trabalharam lado a lado segundo os mesmos valores de lealdade, amizade e solidariedade que experimentaram em suas famílias e em sua paróquia”, um vínculo, diz Francisco, que, naquelas “circunstâncias extremas, foi selado todas as noites com a recitação do Rosário”.
O “grande conforto” do Rosário
Em seu livro, Read, que queria escrever o relato mais preciso possível, sem adornos ou sensacionalismo, ressalta a importância do rosário e da oração em geral para as vítimas do acidente.
Ele descreve como um dos sobreviventes, Carlitos Paez, liderava o rosário, começando com o primeiro mistério e depois outros sobreviventes se revezando para rezar os seguintes.
“A maioria deles acreditava em Deus e em sua necessidade Dele”, diz Read. “Eles encontraram grande conforto, também, em orar à Mãe de Deus, como se ela estivesse em uma posição melhor para entender o quanto eles desejavam voltar para suas famílias”.
“Às vezes eles diziam a ‘Salve Rainha’ pensando em si mesmos como os ‘pobres filhos banidos de Eva’ e o vale em que estavam presos como o ‘vale das lágrimas’. Eles sempre tiveram medo de outra avalanche, especialmente quando uma tempestade soprava do lado de fora do avião, e uma noite, quando os ventos eram particularmente violentos, eles rezaram um rosário a Nossa Senhora para protegê-los – e quando terminaram, a tempestade havia diminuído”, diz também o escritor.
À medida que o sofrimento e as ameaças à sua sobrevivência se tornavam cada vez mais intensos, até mesmo céticos, como Adolfo ‘Fito’ Strauch, acabariam se juntando a eles. Quando os tremores do vulcão Tinguiririca os alarmaram, os sobreviventes colocaram um rosário nas mãos de Fito.
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“O cético estava tão assustado quanto os crentes”, escreve Read. “Ele rezou o Rosário com a intenção mais específica de que eles pudessem ser salvos do vulcão e, quando terminou a dezena, o estrondo havia parado”, escreve Read.
O livro e o filme destacam o quanto a fé profunda dos sobreviventes foi um fator crucial em sua capacidade de suportar as condições extremas que enfrentaram, e como sua educação católica lhes deu resiliência espiritual para manter a esperança e a sanidade na provação.
“Tínhamos um enorme desejo de sobreviver e fé em Deus. Nosso grupo sempre esteve unido. Quando o espírito de um caía, o resto fazia questão de levantá-lo. Rezar o Rosário todas as noites fortaleceu a fé de todos nós, e essa fé nos ajudou a superar. Deus nos deu essa experiência para nos mudar. Eu mudei. Agora sei que seria diferente do que era … tudo graças a Deus”, diz o sobrevivente Álvaro Magino, citado no livro de Read.
“Aqueles homens e mulheres esperaram juntos, haurindo do poder e do apoio da oração e de ser uma equipe”, escreve o Papa Francisco em Esperança.
“Nas condições mais adversas, eles foram testemunhas e profetas de uma esperança compartilhada. E quando tudo acabou, até mesmo a dor agonizante das mães daqueles que não voltaram daquela montanha soube, como nos mostra a Páscoa, como transcender a si mesmo para se tornar um exemplo de serviço aos outros, em nossas ações e em nossas palavras”.