Religião

Grupo que acompanha vítimas de abusos em Portugal recebeu mais de 60 pedidos de compensação financeira

Grupo que acompanha vítimas de abusos em Portugal recebeu mais de 60 pedidos de compensação financeira
Publicado em 23/01/2025 às 4:51

O Grupo VITA, que acompanha vítimas de abusos na Igreja em Portugal, recebeu até o momento 61 pedidos de compensação financeira, segundo relatório apresentado ontem (21). Desse total, 40 pedidos são do sexo masculino e 21 do sexo feminino.

“Nas últimas décadas, os casos de abuso sexual no seio da Igreja Católica têm suscitado um intenso debate público e institucional, colocando em evidência a necessidade da Igreja enfrentar o passado e proteger as gerações futuras, reconhecendo, reparando e prevenindo”, diz o relatório.

Em abril de 2024, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e a Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP) aprovaram a atribuição de compensação financeira a vítimas de abusos sexuais contra crianças e vulneráveis na Igreja em Portugal. A apresentação formal dos pedidos teve início em 1 de junho e, inicialmente, terminaria em 31 de dezembro. Mas, na 210ª Assembleia Plenária da CEP, a conferência decidiu ampliar o prazo até 31 de março de 2025. As conferências “solicitaram ao Grupo VITA” colaboração “neste processo”.

O regulamento das compensações financeiras divulgado em julho do ano passado determina que os pedidos serão analisados por duas comissões: a Comissão de Instrução, que vai analisar os casos e elaborar um parecer, e a Comissão de Fixação da Compensação, que determinará o valor da compensação.

Segundo o relatório do Grupo VITA, “na sua maioria, as pessoas que solicitaram uma compensação financeira” já foram ouvidas pelo VITA anteriormente e “apenas 15 pessoas” entraram em contato agora “pela primeira vez e exclusivamente com o objetivo de solicitarem uma compensação financeira”.

O VITA diz ainda que o processo de escuta das pessoas que solicitam a compensação financeira teve início no final de 2024, “tendo sido, até ao momento, entrevistadas oito pessoas”.

O grupo optou pela realização de duas entrevistas com as pessoas que não foram entrevistadas anteriormente pelo VITA, pelas Comissões Diocesanas ou pelos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. Para aquelas que já foram ouvidas e têm o relato documentado, “tem sido realizada apenas uma entrevista”, para que a pessoa não precise repetir seu relato e se evite “uma situação de revitimização”.

“Não obstante esta indicação, que é reforçada no início de cada entrevista, diversas pessoas verbalizam o seu desejo em falar sobre o que aconteceu, alegando que isso lhes traz algum alívio e sensação de libertação”, diz o relatório.

Dados sobre os abusos na Igreja em Portugal

O relatório apresentado pelo Grupo VITA traz dados referentes ao período de atuação do organismo entre maio de 2023 e dezembro de 2024. Nesse período foram recebidos 587 telefonemas, mas nem todas as chamadas correspondiam “exclusivamente a situações de violência sexual no contexto da Igreja”. Das ligações recebidas, “34 eram relativas a situações não relacionadas com a missão do Grupo VITA”.

O documento diz ainda que, dos contatos recebidos, “foram identificadas 118 vítimas de violência sexual (69 em 2023 e 49 em 2024) e uma pessoa (leigo) que cometeu crimes sexuais no contexto da Igreja”.

Em média, os abusos aconteceram há 43 anos e a maioria dos casos foram nas décadas de 1960 e 1980.

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A maioria das vítimas de abusos é do sexo masculino (59,7%) e as idades de maior prevalência em que aconteceu a situação abusiva foram 10 e 11 anos. Quanto à duração, “quase metade das vítimas (45.2%) refere que a situação abusiva ocorreu durante 1 ano ou mais”.

Segundo o relatório, 98,4% das pessoas que cometeram os abusos são homens. Desses, 91,8% são sacerdotes. “Apenas cinco vítimas identificaram uma pessoa leiga, embora no contexto da Igreja”.

87,1% das vítimas conheceram a pessoa que cometeu a violência sexual em “um contexto diretamente ligado à Igreja”. A maioria dos abusos aconteceram na Igreja, “sobretudo, no confessionário, seguido da sacristia”.

Em 91,9% dos casos, “a pessoa que cometeu a violência não reconheceu a agressão e não pediu desculpa”.

O relatório também aborda as estratégias da pessoa que comete a violência sexual, sendo que em 91,9% dos casos há “abuso de autoridade resultante do estatuto do agressor”. Outras estratégias identificadas são: confiança e familiaridade (67,7%); engano, confusão, surpresa (22,6%); aliciamento com recompensas (22,6%); aproveitamento da vítima na impossibilidade de resistir (19,4%); comportamento de duplo significado (17,7%); ameaças verbais ou físicas (14,5%); e recurso à violência física (11,3%).

Sobre “o que impediu que os comportamentos abusivos continuassem” o relatório destaca que 53,3% são “estratégias de evitamento da vítima” e 9,7% “afastamento da vítima do local” onde aconteceram os abusos ou de atividades onde poderia encontrar o agressor. “Refira-se, por exemplo, pedir para sair do Instituto Religioso que frequentava ou da catequese”, diz.

Segundo o relatório, “aproximadamente 40% das vítimas só agora revelaram a situação abusiva e 21,3% fê-lo pela primeira vez ao Grupo VITA”. A maioria das vítimas “não apresentou denúncia às estruturas da igreja (82.3%), nem aos Órgãos de Polícia Criminal/Ministério Público (87.1%)”.

Entre os motivos alegados para não ter revelado os abusos na época dos fatos, 61,7% disseram que foi por “vergonha”, 47,5%, “medo”, e 36,2%, “medo de não ser acreditado”.

Sinalização a estruturas eclesiásticas e autoridades judiciais

O relatório diz que, “desde que iniciou suas funções”, em maio de 2023, o Grupo VITA “sinalizou” 70 situações de abusos às estruturas eclesiásticas e 25 à Procuradoria Geral da República (PGR) e Polícia Judiciária (PJ).

Por estruturas eclesiásticas, o documento entende as dioceses, os institutos de vida consagrada e vida apostólica e a nunciatura.

“A discrepância entre as situações sinalizadas a estruturas eclesiásticas e à PGR/PJ relaciona-se com o fato de alguns suspeitos terem já falecido e, noutras situações, ter já decorrido (ou estar a decorrer) um processo judicial de natureza criminal”, diz o relatório.

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