Espelho, espelho meu, existe mãe mais culpada do que eu?

Espelho, espelho meu, existe mãe mais culpada do que eu?
Publicado em 11/12/2024 às 23:18

Cecília Grossl.

Tempos atrás vi uma reportagem que falava sobre a cantora Sandy não querer ter mais filhos. Relatava seu transtorno com o constante sentimento de culpa, um sentimento tão avassalador, a ponto dela ter que fazer terapia. Sentia – se culpada por não estar com o filho vinte e quatro horas por dia, sentia culpa quando ia à manicure ou a sessões de acupuntura, por exemplo, de modo que esse sentimento começou a paralizá-la, a ponto de procurar ajuda médica para aprender a lidar com isso.

Não sei vocês mães, mas eu a compreendo. Como tudo na vida, a intensidade das coisas, sentimentos, pessoas, não tem como serem mensuradas. Assim como há culpa, como a dela, tão intensas que necessitam de tratamento, há as moderadas e “leves” se é que podemos designar assim, com as quais convivemos diariamente nos alfinetando.

Além de sofrermos com nosso próprio julgamento, como se não bastasse, precisamos lidar com a sociedade inquisidora numa constante pressão do que podemos e devemos, do que é certo e do que é errado, do que nos cabe e do que não, enfim…

As palavras ferem e deixam cicatrizes tão profundas quanto lâminas, são lâminas silábicas que uma vez desferidas a gente estanca o sangue, passa remédio, da pontos, e cicatriza, mas deixa marca.

Estou dizendo isso por causa de uma cicatriz que tenho, e que acredito, ter que conviver com ela pra sempre, lutando para que esse sentimento de culpa não tome conta de mim.

Certa vez, quando Maria Valentina, minha primogênita nasceu, eu me arrumava animada para um determinado evento que iria. Pedi a uma amiga que me maquiasse e arrumasse meu cabelo. Estava tão feliz, afinal quanto tempo com cara de pijama no pós parto e finalmente eu tinha a oportunidade de fazer as pazes com o espelho. Que mãe nunca passou por isso?

Mas de repente, uma pessoa me olhou e fez um comentário. Me disse em tom crítico que quem deveria estar arrumada e brilhar no evento era minha filha, e não eu. Aquilo me afetou de tal maneira, que toda vez, desde esse dia, que eu paro em frente ao espelho para me arrumar, sou invadida por esse sentimento de culpa.

Precisamos ter cuidado com o que falamos, especialmente às mães que já possuem elas mesmas seus fantasmas para atormentá -las e não precisam que contribuamos com mais alguns.

Quando estreei no meu papel de mãe, tive depressão pós parto. E isso é o ápice da culpa. Eu não conseguia me achar nessa nova função, tinha dificuldade pra sentir esse amor arrebatador que todos relatam, fiquei esperando a mãe nascer… e nada. Eu queria dormir, comer, descansar, e não chacoalhar a noite toda um serzinho frágil que chorava o tempo todo. Onde estava esse mundo cor de rosa que circunda a maternidade? Não era possível que só eu não o via.

Até eu compreender que de rosa o mundo materno não tinha nada e que os hormônios tem um poder absurdo sobre nós, e que o que eu estava sentindo era normal, mas mantido sob um sigilo absoluto pela classe materna, justamente pelo medo do julgamento e da culpa, demorou um pouco.

Hoje, com meus três filhos, eu me arrumo pra sair ou pra ficar em casa, me arrumo quando dá e se estou com vontade enfrentando minha cicatriz (que tem ficado bem mais discreta), me arrumo porque eu posso, porque eu mereço e porque hoje eu compreendo que tudo gira a partir do que eu sou e sinto e se eu tô bem e feliz, o resto acontece por osmose.

ITARARÉ