Garrafinha destampada.
"É como se meus pensamentos e textos ficassem numa garrafinha mal tampada. De dia ela fica em pé e tudo bem, mas quando eu me encontro enfim na horizontal para o descanso merecido, ela se abre e jorram de lá, um milhão de palavras e frases, textos inteirinhos, um melhor que o outro me cutucando para irem pro papel. (leia abaixo)
CECÍLIA GROSSL
Eu não sei como funciona a cabeça dos escritores de verdade, bom, não que eu seja uma escritora de mentira, é… Acho que vou começar de novo.
Eu não sei como funciona a cabeça dos escritores profissionais, consagrados, que vivem da escrita, ou são famosos, só sei que a minha, uma escritora quase anônima, funciona de um jeito nada colaborativo comigo, pelo menos não funciona condizentemente com meu relógio biológico. Explico: meus textos resolvem aparecer na minha mente quase todas as noites quando eu me deito. Justo quando me deito pra dormir! Quando já estou quase entrando em coma de tão cansada, depois da jornada no trabalho, na casa, com meus três filhos, com meu marido, com o cachorro, com os afazeres da casa… Eu acho isso um desperdício, já falei isso pra minha cabeça, que ela pare de me sacanear e me mande estes textos mais cedo, quando eu ainda lembro o meu nome, lá pela metade do dia.
É como se meus pensamentos e textos ficassem numa garrafinha mal tampada. De dia ela fica em pé e tudo bem, mas quando eu me encontro enfim na horizontal para o descanso merecido, ela se abre e jorram de lá, um milhão de palavras e frases, textos inteirinhos, um melhor que o outro me cutucando para irem pro papel. Eu não tenho forças nessa altura do campeonato nem pra me levantar pegar, se quer um copo de água, imagine pegar papel e caneta, o notebook, o celular, ou o que quer que seja para registrá-los e dar vida a eles. Eu fico com dó, porque às vezes são muito bons mesmo e às vezes, eles demoram pra parar, a garrafa parece não ter fundo, é um absurdo! Eu fico com dó também, porque sei que se perderão… É como uma ejaculação com preservativo, ninguém vai chegar ao óvulo.
Você pode estar se perguntando: “é, mas você pode escrever no outro dia”, sim eu posso, inclusive já tentei, mas não dá certo, não são os mesmos textos, saem outros. Não sei pra onde vão aqueles, mas não voltam pra garrafinha.
Eu estou na torcida para que o Elon Musk invente um aparelho onde eu assopre esses textos e eles saiam digitalizados, já pensou a praticidade? Posso inclusive aproveitar o bocejo, vai ser ótimo! Mas torço para que ele invente isso quando eu já estiver com milhões de livros vendidos, se não, não vai adiantar nada, porque eu não vou ter dinheiro pra comprar a invenção.
O duro é se os textos que me farão vender milhões de livros, são justamente esses que saem da garrafinha e se perdem… aí eu tô ferrada.